quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Salve as Bahias!

Após o encerramento do ciclo longo e espaçado dos meus primeiros pensamentos, abro espaço na coluna para falar de alguns sambas que concorrem a hino oficial nas Escolas de Samba do Rio de Janeiro.
O titulo do tópico evoca dois enredos do Grupo Especial que geraram sambas acima da média:

Portela
"...E o povo na rua cantando. É feito uma reza, um ritual..."

Imperatriz
"Jorge, Amado Jorge!"


PORTELA : O CANTO QUE VEM DE LÁ,LÁ DA BAHIA!


Dou inicio a exaltação ao bom samba-de-enredo pela matriarca do samba, gloriosa Portela, que levará a avenida um Enredo sobre a Bahia. Chegou a ser previsível a choradeira quando o Enredo foi anunciado:

- "Já vi muitas vezes!"
- "Quero novidade!"
- "Bahia de Novo?"

Só que os amantes das novidades descartáveis não contavam com a astúcia da ala de compositores da Portela, que embalada pela competente sinopse de Paulo Menezes trouxe do fundo da alma a inspiração pra falar dessa Bahia tão Portelense, dessa Bahia tão autêntica de Clara Nunes.

E a obra composta chega nesse tom:



AUTORES: WANDERLEY MONTEIRO, LUIZ CARLOS MÁXIMO, TONINHO NASCIMENTO E NALDO

INTÉRPRETE: PIXULÉ

MEU REI
SENHOR DO BONFIM ALUMIA
OS CAMINHOS DA PORTELA
QUE EU GUARDO NO MEU PATUÁ
EU VIM COM A PROTEÇÃO DOS MEUS GUIAS
COM CLARA GUERREIRA À BAHIA
CHEGUEI, EU CHEGUEI PRA FESTEJAR
DEIXA LEVAR, NOS ALTARES E TERREIROS
TEM JARRO COM ÁGUA DE CHEIRO
VOU JOGAR FLORES NO MAR

NO MAR
PROCISSÃO DOS NAVEGANTES
EU TAMBÉM SOU ALMIRANTE
DE NOSSA SENHORA IEMANJÁ

VOU NO GONGÁ
BATER TAMBOR
REZO NO ALTAR
LEVO O ANDOR
VEM CHEGANDO OS BATUQUEIROS
DESCE A LADEIRA MEU AMOR
QUE A PATUSCADA COMEÇOU
EU VIM PRA RUA
QUE O SAMBA DE RODA CHEGOU

IAIÁ
DE SAIA RENDADA EM CETIM
BOTA O TEMPERO NA FESTA
OI, TEM ABARÁ E QUINDIM

PORTELA CHEIA DE ENCANTOS
ACOLHE A BAHIA EM SEU CANTO
DE FESTAS, REZAS, RITUAIS
VESTIDO DE AZUL E BRANCO
EU VENHO ESTENDER O NOSSO MANTO
AOS MEUS SANTOS DO SAMBA QUE SÃO ORIXÁS

MADUREIRA SOBE O PELÔ...TEM CAPOEIRA
NA BATIDA DO TAMBOR...SAMBA IOIÔ
ROLA O TOQUE DE OLODUM...LÁ NA RIBEIRA
A BAHIA ME CHAMOU


Não há muito o que dizer ou enumerar. A obra fala por si. Parece uma viagem pela identidade da Portela, pelos sambas históricos de Madureira e um grito de ordem contra o modelo vigente. Um grito que sorri e que mostra raiz ao invés das armas e linguajares afiados.


"No mar, procissão dos navegantes
Eu Também sou Almirante de Nossa Senhora Iemanjá!"


Quem já esteve lá, quem já se embriagou por lá, quem é de santo e já foi lá, entende bem o que é de lá. Simplesmente brilhante!

Recomendo:
Neyzinho do Cavaco e cia
Diogo Nogueira e cia
Ary do Cavaco e cia


* Disponíveis para audição no site www.carnavalesco.com.br



IMPERATRIZ: SE TODOS FOSSEM COMO JORGE...

Jorge Amado dá o ar de sua graça novamente e não haveria escola mais indicada para canta-lo que a Impiedosa Rainha de Ramos! Aquela mesma ladainha dos eufóricos por uma novidade qualquer também se abateu sobre a idéia da Imperatriz homenagear o escritor baiano tantas vezes ja cantado na Sapucaí.
Óbvio que poucos notaram que a razão da homenagem se deu pelo fato do centenário do escritor ser comemorado em 2012 e também não levaram em consideração a relevância do tema para o carnaval atual. Já se vão 22 anos da última homenagem feita ao escritor que hoje é tão pouco exaltado pela TV e pelos livros escolares, portanto a coroada verde-e-branca carioca presta com esse enredo um serviço a sociedade ao exaltar a obra do nosso mestre. Aliás, pouco me assusta ser a melhor safra do Grupo Especial, já que é a escola que vem nos brindando com os melhores sambas ano à ano. Elenquei o meu samba predileto na disputa de Ramos, aquele que me fez tremer sentado na cadeira. Ele passou por mim e me deixou assim:




Autores: Jeferson Lima, Ribamar, Alexandre D'Mendes, Cristovão Luiz e Tuninho Profesor

AVE, BAHIA SAGRADA!
ABENÇOADA POR OXALÁ!
O MAR, BEIJANDO A ESPERANÇA,
DESCANSA NOS BRAÇOS DE IEMANJÁ.
MENINO AMADO...
DESTINO BORDADO DE INSPIRAÇÃO.
ILUMINADO...
VESTIU PALAVRAS DE FASCINAÇÃO.

OLHA O ACARAJÉ! QUEM VAI QUERER?
TEMPERADO NO AXÉ E DENDÊ
QUEM TEM FÉ VAI A PÉ... VAI, SIM!
ABRIR CAMINHOS NA LAVAGEM DO BONFIM

O VENTO SOPROU
AS LETRAS EM LIBERDADE.
JOGA A REDE, PESCADOR!
O POVO TEM SEDE DE FELICIDADE.
A BRISA A EMBALAR
HISTÓRIAS QUE FALAM DE AMOR.
MEMÓRIAS SOB O LUME DO LUAR.
O DOCE PERFUME DA FLOR.
Ê BAHIA! Ê BAHIA!
DOS SANTOS, ENCANTOS, MAGIA.
KAÔ KABESILÊ! ORA IÊ IÊ OXUM!
TEM FESTA NO PELÔ.
NA LADEIRA, CAPOEIRA MATA UM.

SOU IMPERATRIZ! SOU EMOÇÃO!
MEU CORAÇÃO QUER FESTEJAR!
AO MESTRE ESCRITOR, UM CANTO DE AMOR
JORGE AMADO, SARAVÁ!



O Currupaco, desacostumado a ouvir sambas assim, quase quebrou a asa de tanto sacudir quando esse samba chegou via sedex no aconchego do ninho.

"O mar Beijando a esperança
Descansa nos braços de Iemanjá"

"Olha o acarajé, quem vai querer?
Temperado no axé e Dendê!"


Há algo mais envolvente, algo mais AMADO que isso?
A brilhante ala de compositores da escola se superou de "A à Z" a a obra ressaltada é apenas uma das magníficas que pintaram por lá, pra que vocês tenham uma idéia do quão boa a coisa segue:

Recomendo:
Samba de Me Leva e cia
Samba de Henrique Cesar e cia
Samba de Medrado e cia
Samba de Josimar e cia


* Disponíveis para audição no site www.carnavalesco.com.br

Pergunta que não cala:


Após ouvir com atenção os sambas propostos eu pergunto a vocês:

- E ai? A Bahia deu samba?
A resposta pra mim é sim, e contrariando os moderninhos, amofinarme-ei ao som dos atabaques baianos da escola madrinha e da escola rival, porque de Baiano e Louco, todo sambista tem um pouco!

Na próxima postagem, dois terreiros em disputa:
Sambas concorrentes da Beija-Flor de Nilópolis e da Vila Isabel, carregados de negritude, em debate na roda das piadas.

Um abraço e um beijo, com gostinho de quindim!

A volta do Currupaco! O fim do primeiro ciclo!

Após um longo período de hibernação o Currupaco volta para as paginas do povo para concluir o seu pensamento.
Há de se ressaltar que essa volta inesperada tem um gancho interessante:

As disputas de Samba para o carnaval de 2012!

Em minha ultima coluna eu comentava à respeito das gravações dos sambas-de-enredo que iludiam os componentes e apreciadores do genêro, tudo isso contextualizado para o carnaval de 2011, que se foi. Agora temos a oportunidade de discutir as disputas de samba que estão em andamento e por consequência tirar base no ontem e no hoje para concluir os raciocinios.

O que de fato é levado em consideração numa disputa de samba?



Para responder a questão, reproduzo os itens listados pelo famoso compositor Barbieri no fórum Espaço Aberto do site www.galeriadosamba.com.br . Segue o texto:

Por ordem de importância, os requisitos para um samba vencer são:

Em primeiro lugar - TODOS os integrantes da parceria devem ser bem vistos
pela diretoria da escola. Não pode ter olhado de cara feia nenhum dia pra
ninguém, não pode ter esquecido de dar boa noite e, principalmente, nunca ter
se negado a atender um pedido da mesma.

Em segundo lugar - pelo menos um dos componentes da parceria tem que gozar
da intimidade do topo da hierarquia da escola (quem manda). Pode ser
presidente, padrinho (nem sempre é o presidente que manda). É importante
frequentar a escola de manhã, de tarde, de noite, de domingo à domingo todos
os dias da semana. Se não puder um integrante da parceria, que sejam
representantes, familiares, gato, cachorro...

Em terceiro lugar - pelo menos um dos componentes da parceria tem que ter
alguma coisa boa a oferecer. Por exemplo: custear um carro alegórico, algumas
alas, reformar a quadra da escola etc.

Em quarto lugar - Se o intérprete da escola estiver no samba é bom. Não
precisa estar assinando.

Em quinto lugar - Muito, mas muito dinheiro pra gastar com torcida, planfleto,
CD, comes & bebes, carro de som, palco de luxo, efeitos especiais...

Em sexto lugar - um samba decente. Não. Não precisa ser o melhor. Mas tem
que ser palatável. Basta ser bonzinho. Só é preciso que uns dez frequentadores
de sites e da quadra falem bem.

Em sétimo lugar e não menos importante - um fofoqueiro. Aquele cara que vai
espalhar mentiras sobre os outros sambas (fulano está por trás, sicrano falou
mal do presidente, falou mal do intérprete, da baiana, do presidente da velha
guarda, que o samba é de escritório, que é amigo de um desafeto da diretoria).
O fofoqueiro não precisa ter credibilidade, apenas cara-de-pau.


Barbieri

Pode até parecer exagero, ironia, graça ou o que mais quiserem dizer, mas é a mais pura realidade das disputas de samba no carnaval atual.
Leiam com atenção, viagem na memória recente, coliguem os tópicos com o que assistimos nas quadras a cada final de semana e concluam.

No fim, traídos somos nós. Aqueles que remanejam o tempo para poder ouvir os sambas, aqueles que acreditam na lisura do concurso e que se dedicam a torcer com o coração pelo melhor samba, e claro, os compositores que são derrotados por todos esses itens, ainda que a obra composta por eles tenha o item que deveria ser o mais importante para as disputas: A QUALIDADE MUSICAL!

Assim, chegamos a conclusão de que a modulação total do carnaval hoje é a grande responsável pela decadência do gênero:

- Sambas de escritório, mesma letra e melodia. Só muda o nome da escola e alguma menção ao tema.
- Sambas padronizados. A fórmula do A e B.
- As gravações que vendem o peixe.
- Os itens extra julgamento que influenciam mais que a qualidade da obra.

Sendo assim, somando tudo isso a mudança do mercado publicitário que se dedica unica e exclusivamente a música comercial, industrializada e preparada para acompanhar o cotidiano universal, os sambas-de-enredo que ja não são mais como antes, também não tem o espaço de antes e o que parece sobrar pra nós, são as migalhas de uma fruta-pão, nada madura, muito indigesta e pouco satisfatória.

Até quando?






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