segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A Volta do Currupaco: - Salve o arvoredo!




O Currupaco Folião retorna as atividades após três semanas em falta com o público. Mas há um motivo pra isso:

Para dar sequência ao tema "Samba" eu preferi esperar as escolhas de samba, pois, os processos que haviam se iniciado foram tão revoltantes que eu não poderia perder o gancho...

Não que eu ache que os responsaveis por escolhas sejam despreparados, muito pelo contrario, todos sabem o que é um samba bom e como diferencia-lo de um boi-com-abóbora. A questão é:

Até que ponto a qualidade do samba o faz campeão?

* Recomendo que a partir desse ponto, a coluna seja lida ao som do samba que está no final desse post!

Digo, com dor no coração, que hoje em dia simplesmente a qualidade não importa! Primeiro porque o juri do Carnaval nivela por baixo os sambas e os resume simplesmente em letras e melodias corretas, acarretando notas máximas a sambas ABC, daqueles que você não vê nada de excepcional nem nada de péssimo, o que pra mim qualifica o samba como horroroso, uma vez que como expressão artistica, o ultimo sentimento que uma obra deve causar no expectador é indiferença.

Deixo meus sinceros parabéns a comunidade da Brasilândia, sob o pavilhão encantado da Sociedade Rosas de Ouro, a comunidade da Vila Madalena, sob o pavilhão empatico e sedutor da Pérola Negra, e a comunidade da Bela Vista sob o pavilhão tradicional e majestoso do Vai-Vai.

Ambas, a suas maneiras, escolheram os sambas que primaram pela melhor visão do Enredo, pela beleza melódica e apurada de seus hinos, pela identidade de cada samba perante a história de seus grêmios.

O Rosas de Ouro resgata os refrões de pergunta e resposta, mais simples, sem aquele jogo de 4x4 comum, que nos remete a antológicas obras la da Brasilandia:

R com O, S com A
Vai ganhar ouro
Quem souber o que vai dar
Rosas!

Rosas de Ouro
Pode apostar!
Grita forte meu povo
Diz ai o que vai dar

Grande resgate de identidade e estilo por parte dos compositores, que vem fazendo sim obras diferentes, melodicamente falando, do que propunham na agremiação em que disputavam anteriormente. Entedo que, os autores desse samba entendem o Rosas de Ouro como essência e não apenas como a oportunidade de vencer um concurso.


Pela fé de Abrahão
Pérola Negra vem cumprir sua missão

A Vila Madalena opta por seguir o estilo que vem a consagrando, com muita coragem, ao escolher sambas bem elaborados, em tom menor, numa pegada mais tradicional, com a letra rica na forma e na aplicação. O que a principio poderia significar uma complicação para o samba ser escolhido, uma vez que pesa hoje em dia sobre as escolas, o dogma de que o samba bem elaborado e denso dificulta a comunicação com o público, é justamente o trunfo para a vitória. Parabéns a Pérola Negra por suas convicções e pelo peito de insistir e bater de frente contra o modelo ideal de samba falsamente propagado por notas duvidosas e diretores ambiguos.


A Musica venceu!
O Dom é luz que vem de Deus!
Da emoção, Vai-Vai resplandeceu!

O Bexiga, sabiamente, aposta na beleza e explosão de seu Samba de Enredo para trasmitir a emoção do Enredo em homenagem ao Maestro João Carlos Martins. Optou-se pela emoção, ao invés do fétido clamor de ballets aeróbicos em arquibancadas e frenéticos saltos dignos do carnaval de salvador. Aposta então, na força de um samba lirico, emocionante, belo e incendiario,para romper a barreira que afastou suas mãos da taça nos ultimos dois anos. Mérito da comunidade que abraçou a obra, dos Compositores que ousaram em sair da linha viciada de sambas descartaveis, da Diretoria que teve sabedoria e principalmente, do mundo do samba que clamou por essa vitória entendendo que a mesma é importante para o genero musical.

Não que eu as considere as unicas escolhas acertadas até o momento, mas há de sublinhar-se a relevância das mesmas para o cenário do carnaval.

E é assim que eu inicio a segunda parte do primeiro tópico, que terá como assunto abordado, dessa vez, os compositores.

Por isso: - Salve o arvoredo!

Sugeri na primeira parte da coluna que deixassemos de lado as cascas a fim de que fosse possível saborear os frutos, em sua melhor forma, corpo e sabor. Mas se estamos falando do Samba como fruto, precisamos identidicar tal qual na esfera da biologia, sua origem, sua arvore e como se dá essa equação genética que resulta em carnaval.

Proponho o seguinte Raciocionio:

Chão = A Escola de Samba em si, de onde se edificam as Arvores.
Arvores = Os sambistas
Frutos = O Samba, dançado, cantado ou filosofado.
Flores = A manifestação do mesmo, na sua forma de conjunto, com o corpo exuberante e atrativo, o desfile.

O compositor, portanto, estaria incluído, de maneira especifica, na categoria Árvore.

O Compositor, por definição exata, é aquele que se inspira através de algo, e transmite com seu dom de música, a emoção para o seu público. Entendo que nesse caso, a Árvore serve ao Solo, e portanto, há de se analisar a identificação de ambos.
O Clima favoravél, a caracteristica biológica, o Ecossistema em geral.
O bom compositor, e ai eu não falo apenas da qualidade de suas obras, é aquele que sente o solo, que vive o solo, e que frutifica para ele, na medida dele.

Compositores, arregacem as mangas! Escutem os sambas antigos de suas escolas, sintam, vivam, respirem, amem, transmitam emoção. Se preocupem menos com as Cascas, pensem nos frutos. Vocês tem o dever de dar continuidade ao legado de Compositores imortais que não precisavam de logistica para compor. A Arte é um dom natural, quando fabricada, se torna descartavel e irrelevante.

Não sejam a violeta esquecida do vaso na sacada. Essa quando morrer, será substituida por outra, comprada na mesma quitanda, por um valor insignificante, de cor semelhante a todas as outras, e será regada e lembrada até quando seu carater decorativo servir aos olhos de quem a tem.
Sejam o Jequitibá!
Simbolo da longevidade e da força! Aquele que quando cai deixa a clareira em meio a mata e se faz notar a ausência!


Para ilustrar o tópico, um grande samba de enredo, daquele tipo que não se vê mais, vitorioso em sua trajetória no âmbito cultural.Nunca tombou, nunca rachou, nunca findou!



Samba de Enredo apresentado pelo Império Serrano em 1989
Enredo: Heróis da Liberdade
Compositor(es): Silas de Oliveira, Mano Décio e Manoel Ferreira

Samba, ó samba
Tem a sua primazia
Em gozar de felicidade
Samba, meu samba
Presta esta homenagem
Aos heróis da liberdade

Passava noite, vinha dia
O sangue do negro corria
Dia a dia
De lamento em lamento
De agonia em agonia
Ele pedia o fim da tirania
Lá em Vila Rica
Junto ao largo da Bica
Local da opressão
A fiel maçonaria, com sabedoria
Deu sua decisão
Com flores e alegria
Veio a abolição
A independência Laureando
O seu brasão
Ao longe soldados e tambores
Alunos e professores
Acompanhados de clarim
Cantavam assim
Já raiou a liberdade
A liberdade já raiou
Essa brisa que a juventude afaga
Essa chama
Que o ódio não apaga pelo universo
É a evolução em sua legítima razão

Samba, ó samba
Tem a sua primazia
Em gozar de felicidade
Samba, meu samba
Presta esta homenagem
Aos heróis da liberdade

Ô, ô, ô, ô
Liberdade senhor!

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