sábado, 18 de setembro de 2010

DIRETO AO PONTO: "Esqueçam as cascas!"




Iniciarei minha coluna sem rodeios. Aproveitando que minha irmã de fé ja me apresentou para vocês leitores, abrirei os trabalhos com um assunto que pode ser um pouco polêmico mas que se faz necessário discutir: O Samba-Enredo, os Compositores, as Gravações e o Modelo de Disputa.

Em primeiro lugar explicarei o porque do tema:

- O Samba, tal qual todas as manifestações culturais, se abriu para diversos públicos com o seu crescimento e com o advento da Internet.

- O Samba-Enredo, infelizmente, está em um processo de padronização e perda de qualidade desenfreado há alguns anos.

- As disputas de Samba-Enredo nas Escolas de Samba vem ganhando contornos despreziveis há algum tempo.



1) O que é um Samba de Enredo e o que ele representa para a cultura e para a comunidade?

Bem, falemos um pouco de origem. Diz a História, minha amiga de longa data, que lá pelos idos de 1930 as Escolas de Samba desfilavam com mais de um samba. Esses sambas não faziam alusão aos Enredos apresentados, eram ilustrativos para com as Escolas e eram alternados durante o cortejo, permitindo inclusive improvisos durante a apresentação. Lá pelas tantas da década de 40 surgiram os primeiros Sambas de Enredo, que de fato, eram inteiramente ligados ao tema que a Escola se propunha a falar e que mais precisamente em 1947 seria decretado como obrigatório pela instituição responsável pelo carnaval carioca para todas as escolas. Há um caso famoso a esse respeito, com a escola "Prazer da Serrinha" que durante o ano inteiro ensaiou o samba "Conferência de São Francisco" e no dia do desfile resolveu levar um samba de terreiro, de exaltação, para a avenida, sendo duramente penalizada e dai surgiu a dissidência que gerou o Império Serrano tão conhecido por todos.

O Samba de Enredo, então, é o Samba que contará a história que a Escola se propõe a mostrar em desfile, sendo que, para a escolha do mesmo, pode haver uma disputa entre compositores ou então um determinado sambista compor a obra e a escola a instituir como a campeã.

Para a comunidade o Samba de Enredo será sua vóz durante um ano inteiro, ou seja, a forma como a mesma se apresentará ao mundo em forma de unidade.

Existem inumeros exemplos de Sambas de Enredo que marcaram época, que impulsionaram Agremiações ao campeonato, que foram posterizados por gravações de artistas de grande renome e se tornaram verdadeiros hinos. Como exemplo, citarei aqui 3 composições:


Aquarela Brasileira, de Silas de Oliveira, para o Império Serrano em 1964

O Amanhã, de João Sérgio, para a União da Ilha em 1978

Festa para um Rei Negro, de Zuzuca, para o Salgueiro em 1971



Ambas, famosas e conhecidas por todo o território nacional, e algumas, como no caso da União da Ilha, famosas no mundo inteiro. Acontece que, nesses 3 casos há uma coincidência interessante e que pode parecer estranha para as pessoas nos dias de hoje:

Ambos foram criados por uma unica pessoa!

O samba na verdade, em sua forma original e em minha modesta opinião, mais apetitosa aos ouvidos e instigante ao paladar, é em sua essência composto pelo homem simples, de maneira poética tradicional ou extremamente popular, sem o intelectuo exagerado e a parafernalia de grandes estúdios e arranjos apocalipticos. Não que parcerias de 3, 5, 8, não possam compor grandes obras, mas em sua maioria, essas parcerias não conseguem chegar perto dessas obras tão particulares. Porque?

O grande samba, é aquele capaz de tocar o componente dentro da alma, que exala a identidade daquela comunidade em sua ginga e que transmite no tom correto, a mensagem do Enredo. Basta que haja sensibilidade e aquele "samborocô" a mais correndo nas veias para que as coisas aconteçam.

O Carnaval, mais uma vez afirmo, cresceu em quanto espetaculo, ganhou fama e know-hall dignos da Broadway e com isso, muitas mudanças aconteceram.

A Verticalização das apresentações com as grandes alegorias e a mudança do angulo de visão do público que antes acompanhava no mesmo nivel e então passou a ver o espetaculo de cima, e distante da passarela, ocasionaram transformações enormes a festa.

As Escolas, que antes ziguezagueavam pela pista de encontro ao público, passaram a desfilar para frente e para o alto, sempre buscando atingir o componente que está acima de sua cabeça.

Refrãos explosivos, técnicas de Jingle na verdade, o nome das escolas bem grafado em seus refrãos, paradinhas de bateria, coreografias nos componentes e mais uma porção de artificios passaram a ser utilizados para atingir esse público.

E os jurados? Os jurados também se profissionalisaram, e passaram a analisar os quesitos de maneira separada, tão separada a ponto de ser necessária a criação do quesito conjunto, a fim de que o todo apresentado por uma agremiação não fosse desconsiderado em detrimento dos quesitos segmentados.

O Samba deixou de ser de Enredo e se transformou em Samba-Enredo, que nada mais significa que uma história musicada. E ai vem a questão, qual a diferença?

A diferença é que o Samba de Enredo, é, por excelencia, um Samba que traz o tema proposto pela escola. O Samba-Enredo, como a própria construção do termo deixa a entender, é o tema musicado.

Setores, sinopses, termos, alegorias...

Tudo deve ser obrigatoriamente colocado na letra do Samba-Enredo de maneira que o mesmo esteja adequado a norma culta da lingua, a fim de que não seja penalizado por algum professor de português que seja jurado, de maneira que tudo que será colocado na avenida esteja representado, ja que a escola passa rápida e distante do público e portanto as partes prevalecentes devem ser pontuadas e por fim, deve ainda funcionar, termo absolutamente inimaginavel, mas que significa em tese: Ser cantado pelos componentes, ser dinâmico e empolgante a ponto de causar empatia no público e obter a nota maxima.

O Samba de Enredo, na verdade, virou garota de concurso! Ele tem que ter 90 de busto, 100 de quadril, 60 de cintura com 1,70 de altura, cabelos louros e mandar bem em entrevistas.

Adivinhem o que aconteceu? Tal qual as garotas de concurso o samba se padronizou, se tornou repetitivo, teve sua criatividade podada e sua espontaniedade podada. Com esse novo padrão, aqueles que tem apuro e pedigree pra desenvolver a criação da melhor forma, ganharam notoriedade e passaram a se aventurar por outras agremiações.

Não é incomum hoje, ouvirmos 6 sambas parecidos no mesmo grupo, com nomes diferentes de compositores, mas um mesmo autor. Não é incomum por exemplo vermos grandes sambas passarem absolutamente despercebidos diante de um público acomodado e pré-condicionado ao descartavel. Essa Tarimba atribuida a esses sambas e seus compositores, é um produto de midía, definitivamente gerado pela estagnação do espetaculo que permitiu que certos vicios se tornassem sadios aos olhos do povo.



Abaixo o Padrão! Abaixo o descartavel!
Parem de olhar as cascas e comecem a pensar nos frutos!
Sábado que vem a coluna continua abordando o segundo sub-tema: Os Compositores!

Para a postagem ficar completa, um grande Samba de Enredo, de mais de um compositor, pouco conhecidos é verdade, mas que comporam uma obra de arte!


Colorado do Brás 1988 (Reeditado em 2008 pela escola)
Enredo: Catôpes do Milho-Verde de Escravo a Rei da festa

Compositores: Rona Gonzaguinha/ Xixa/ Dom Marcos/ Edinho/ Minho

Quilombo espalhou suas raízes
E fez sua semente germinar
Em ricas terras mineiras
Do Milho-Verde vem o canto pelo ar

Grupos de Negros Legendários
Catôpes Tradicionais
Fazem do festejo do Rosário
Cenários dos nossos Ancestrais

É bambaquere que faz o corpo remexer
É bambabalá, que sacode pra lá e pra cá
É arruda e guiné, espantando todo o mau olhar

Em forma de Quilombo na avenida
Colorado se agita no desfile principal

E vem...
Vem mostrar ao mundo inteiro
Que o negro brasileiro
Canta livre e faz seu carnaval

Cantando amor eu vou, porque feliz estou
É que a felicidade não tem cor

É manhã de paz
Me abraça e faz as peles mais unidas
Que beleza!
Não criou raças, Deus apenas criou vidas!




2 Pios:

Léo disse...

O samba é SAMBA quando consegue, além de contar o enredo ou a história a que se propõe, tocar e mexer por inteiro com o folião. Para bater no peito e poder dizer sem medo "eu tenho um SAMBA", na minha visão leiga, o compositor precisa saber o caminho de como tocar quem ouve. E isso, como é muito bem mostrado na coluna, ainda está, graças a Deus, nas mãos dos compositores mais simples. Aqueles que não visam apenas vencer, ter nome. Mas aqueles que visam FAZER SAMBA, cantar o que sentem, e fazer sentir ao cantar.

Nunca me esqueço da história de um compositor capixaba, Attílio Juffo. Em 1988, ao pegar a sinopse do enredo de uma escola de samba, ele bateu o olho no texto e disse: "Não sei o que fazer, simplesmente". Então fez dois sambas-enredo. O primeiro descrevia todos os pontos principais do que a escola queria. O segundo samba ele fez livre, sem seguir sinopse, apenas cantando o enredo de forma desempedida, sem citar nenhum personagem do enredo. RESULTADO: foi o samba vencedor e a escola abriu mão do enredo. Refez todo o tema para CABER dentro do samba que o compositor havia feito. Recebeu todos os prêmios de carnaval daquele ano.

É uma aula.

Parabéns pelo post. Muito bem escrito

Ro disse...

Ó Grande Mestre Psit(porque eu sou intima).
Arrasou!!!
Fiquei de cara no chão , que aula ma-ra foi essa?
Tudo o que eu nem sabia que não sabia explicado de forma fluida e envolvente.
Me senti como parte da história tão por dentro fiquei.
Você craquelou minhas rugas , escreve divinmente.
Texto DUKAAAA!!!!
Mil beijos

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